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"Ainda com crianças..."
Rodulfo (1990) afirma que no atendimento psicanalítico de crianças atende-se primeiro os pais, pois a escuta dos pais fornecerá subsídios para que se situe a posição do sujeito na estrutura discursiva familiar, portanto, além de ouvir a queixa que os angústia, é necessário deixar o mito fantasmático aparecer. Esse mito baseia-se nas normas impostas, ideologias, atos que rodeiam a criança, nas expectativas que os pais depositam na criança e o lugar que ela ocupa, seria o conjunto de significantes. O mito, normalmente é extraído aos pedaços, não vai aparecer claramente no discurso dos pais, aos poucos é possível se perceber no discurso, a tendência dominante no qual vai se esclarecendo o mito, que na realidade é muito incongruente, muitas vezes contraditório, longe de ser uma tendência única.
Precisamos saber qual é a rede simbólica na qual ela está inserida, de acordo com Rodulfo(1990). Por isso é importante saber como é o ambiente familiar, o meio em geral em que vive, pois a criança responderá um pouco desse lugar. Através da escuta dos pais, poderemos saber qual foi o lugar reservado à criança, o que esta criança representa para os desejos dos pais, quais os significantes que se repetem de geração em geração, quais os acontecimentos que não foram elaborados nas gerações anteriores e fizeram marcas para este sujeito, pois o mito fantasmático, por estar relacionado ao olhar dos pais em relação à criança, está ligado também à pré-história da criança, os seja a história dos pais e avós, está relacionado como esses pais também foram olhados pelas gerações anteriores. Por isso é importante ouvir qual é a história de vida dos pais e desses avós para entender a dinâmica das figuras parentais e como eles lidam na realidade com esses filhos. Para entender um paciente é preciso regressar onde ele não estava. Tudo o que aconteceu antes do paciente existir, repete-se nele, por isso é necessário reconstruir o material de outras gerações. O sintoma, nada mais é, do que a defrontação com esse fantasma e a dificuldade ou não de corresponder a essa demanda parental, é a forma como o indivíduo responde a essa demanda.
A criança, segundo Edmea Gonçalves de Mello(1999), traz o mito familiar brincando. É fantasioso já que tem a ver com a verdade do mito familiar, está implicado com a história de vida do paciente, formando os significantes do sujeito como agente, é o segredo da própria constituição do sujeito. A construção de um mito se dá devido à tentativa de articular a solução de um problema em que a criação exige, de certo modo, uma passagem, mas que é como tal, impossível. O mito tem a função de solução de um impasse, algo impossível de ser compreendido.
Brincar: ato criativo que é se colocar no lugar de sujeito; se constituir. Divertir: fazer esquecer. Com o brincar, de acordo com Edmea Maria Gonçalves de Mello(1999) , a criança consegue se afastar do lugar fundante. O brincar faz com que a criança consiga se desviar do que é intransponível. O lugar fundante é a marca que o outro deixa, a partir do mito familiar. Nascemos narcisicamente a partir dos desejos dos pais. Apropriamo-nos de nossas marcas e criamos algo a partir da marca do outro.
No início da análise, segundo Maria Luiza Zanatelli (1999), é importante não ficar preso a demanda dos pais e ouvir o sujeito, sem doar sentido, já que o sujeito vai produzir algo com o tempo a partir da transferência, já que o saber na análise é construído na relação com o terapeuta. É necessário, que o analista suporte este tempo de passagem para que o sujeito possa se separar.
De acordo com Maria Luiza Zanatelli (1999), a criança brincando, desloca e transforma as formas de obter prazer. Um dos efeitos da associação livre é de encolher sempre mais o lugar do fantasma na fala, encolher em relação ao imaginário, sendo necessária a presença de um 3º para mediar à palavra, para situar o simbolismo das mensagens recebidas. No atendimento, segundo Rudolf (1990), a criança fala brincando, por isso devemos observar as seqüências, as repetições do paciente e para isso a criança deve se sentir acolhida para mostrar o seu mundo interno. Devemos interpretar o significante, ou seja, a posição subjetiva que a criança se encontra, que está diretamente ligado ao desejo dos pais e dos avós.
Segundo Rudolf (1990), toda vez que algum significante é introduzido, produz algo novo, algo que o paciente faz ou pensa diferente, podemos assim dizer, algo que o faz ser ele mesmo, o que o dá a condição de sujeito, ou seja, esse significante vai produzindo outras significações, novos encadeamentos.
Na análise, de acordo com Edmea Maria Gonçalves de Mello (1999), circulamos a fala para produzir significância. O significante é falado na análise para completar iâncias do que ainda não é e o brincar produz significação do que ainda não está ali, sendo necessário que o analista entre nesse jogo, para que o sujeito possa criar a partir desses significantes. Devemos interrogar o saber ao invés de reduzirmos aos seus próprios traços, algo se modifica e algo se perde neste movimento associativo, e aí a forma de gozo se reduz. Temos que estranhar ao invés de fixar.
Como analistas, segundo Rudolf (1990), devemos ajudar o paciente a romper com os desejos dos pais, a fim de produzir-se de outra forma, mas uma ruptura como uma pré-condição de uma produção nova, não é ficar sem posição. É necessário a re-elaboração dos significantes que lhes foram transmitidos e criação de novos e particulares significantes. Fazer a mãe falar, fazer o pai falar causa efeitos sobre a linguagem da criança promovendo o deslocamento do significante. Dessa forma há a possibilidade de que os pais possam interrogar-se sobre o lugar do filho no seu desejo.
Segundo Lacan apud Edmea Maria Gonçalves de Melo (1999 p.259), o sujeito se complica devido aos significantes, os quais na clínica, as palavras e frases se articulam e se encadeiam, portanto não podemos criar sentido para o paciente poder produzir a partir disso.
Assim, segundo Rudolf (1990) a criança poderá sair do lugar onde é manipulada como objeto do gozo desse Outro absoluto e tentar responder ao enigma do Outro ou não, mas sendo o próprio sujeito de sua história. A nossa intervenção ocorre a partir do momento em que o sujeito se coloca em relação a esse significante, não devemos antecipar e dependendo das intervenções feitas tanto com os pais, quanto com o paciente, é possível perceber algumas mudanças.
É necessário que o analista entre na brincadeira, no jogo do paciente, já que dessa forma, o paciente estará falando dele e haverá com toda certeza uma repetição que deverá ser marcada, para enfatizarmos sua posição subjetiva e o simbólico. Dessa forma haverá uma criação de novos significantes, ou seja, ocorrer um esvaziamento desse imaginário.
Bibliografia
DE MELLO, Edmea Maria Gonçalves; Tecer no Brincar. In: Trata-se uma criança. Tomo I. Escola Lacaniana de Psicanálise, 1998. Rio de Janeiro Ed Companhia de Freud, 1999.
ZANATELLI, Maria Luiza; A escuta do brincar na clínica. In: Trata-se uma criança. Tomo I. Escola Lacaniana de Psicanálise, 1998. Rio de Janeiro Ed Companhia de Freud, 1999.
RODULFO, R. O Brincar e o Significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
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